“Era
uma quinta-feira. A meio do jantar, Santa Gema, pressentindo o êxtase,
levantou-se da mesa, e retirou-se tranquilamente para o quarto. Pouco
depois, D. Cecília, sua mãe adotiva, chamou-me; segui-a e encontrei a
donzela em pleno êxtase, na ocasião em que travava com a Justiça divina
uma viva luta, cujo fim era a conversão dum pecador. Confesso que em
minha vida nunca assisti a um espetáculo tão comovedor.
A
extática, sentada sobre o seu pobre leito, voltava os olhos, o rosto,
toda a sua pessoa para o ponto do quarto em que o Senhor se encontrava.
Comovida, mas sem agitação, mostra-se resoluta, na atitude duma pessoa
que discute e quer vencer a todo o custo. Começou assim: “Já que
viestes, Jesus, pedir-vos-ei de novo pelo meu pecador. É vosso filho e
meu irmão; salvai-o, ó Jesus”, e nomeou-o.
Era
um estrangeiro que ela tinha conhecido em Luca e a quem muitas vezes
já, levada por uma inspiração interior, tinha advertido de viva voz e
por escrito, que pusesse em ordem a sua consciência e não se contentasse
com a fama de bom cristão, de que gozava entre o povo.
Ora,
Jesus, surdo às recomendações de sua serva, parecia decidido a tratá-lo
como justo Juiz. Gema continuou sem desanimar: “Por que é que hoje me
não ouvis, ó Jesus! Tanto fizestes por uma só alma e a esta recusais
salvá-la? Salvai-a, Jesus, salvai-a”.
“Sede
bom , Jesus, não me faleis assim. Na boca de Quem é a mesma
misericórdia, esta palavra Eu o abandono não soa bem; não deveis
pronunciá-la. Vós derramastes, sem medida, o vosso sangue pelos
pecadores. E agora quereis medir a quantidade dos nossos pecados? Não me
ouvis? A quem hei de recorrer então? Derramastes o vosso sangue por
ele, assim como por mim.
“Salvais-me
a mim e a ele não? Não me levantarei daqui: salvai-o. Dizei-me que o
salvais. Ofereço-me como vítima por todos, mas particularmente por ele.
Prometo-Vos que nada Vos hei de recusar. Dais-mo? É uma alma. Pensai
nisso, Jesus, é uma alma que Vos custou muito. Virá a ser boa e há de
corrigir-se”.
Por única resposta, o Senhor continuou a opor a divina justiça. E Gema continuou também, animando-se cada vez mais:
“Eu
não procuro a vossa justiça, mas a vossa misericórdia. Por quem sois
Jesus, ide ter com esse pobre pecador; e daí um terno abraço ao seu
coração. Vereis que ele se converte. Experimentai ao menos... Ouvi,
Jesus. Vós, como dizeis, tendes multiplicado os assaltos para o ganhar,
mas nunca lhe chamastes vosso filho; experimentai. Dizei-lhe que sois
seu pai e que ele é vosso filho. Vereis, vereis que, a este doce nome de
pai, o seu coração endurecido se há de abrandar”.
Nesta
ocasião, o Senhor, para mostrar à sua serva os motivos desta
severidade, descobriu-lhe, uma por uma, com as mais pequenas
circunstâncias de tempo e de lugar, as faltas deste pecador, concluindo
por dizer que a medida estava cheia.
A
pobre menina, que repetiu em voz alta toda esta confissão, ficou
espantada: os braços caíram-lhe; soltou um profundo suspiro, pareceu
ter-lhe fugido toda a esperança de vencer.
De
repente, dissipa-se o seu abatimento e volta à carga: “Eu sei, eu sei,
Jesus, que ele Vos ofendeu muito, mas não Vos tenho eu ofendido ainda
mais? E não obstante, tendes usado de misericórdia para comigo. Eu sei,
eu sei, Jesus, que ele Vos fez chorar, mas neste momento não deveis
pensar nos pecados, deveis sim, pensar no vosso sangue derramado Que
bondade tendes tido para comigo! Usai para com o meu pecador, eu vo-lo
peço, das mesmas delicadezas de amor de que tenho sido objeto.
Lembrai-Vos, Jesus, que o quero no céu! Triunfai, triunfai, eu vo-lo
peço pela vossa caridade”.
Entretanto,
o Senhor permanecia sempre inflexível e Gema voltou a cair no mesmo
desalento. Está em silêncio, parecendo abandonar a luta, quando de
súbito brilha no seu espírito um outro motivo que lhe parece invencível.
Retoma a coragem e exclama: “Bem, eu sou uma pecadora, não poderíeis
encontrar ninguém pior do que eu. Vós mesmo mo dissestes. Não, não
mereço, confesso-o, não mereço que me atendais. Apresento-Vos, porém,
outra intercessora: é a vossa própria Mãe, que Vos pede em seu favor. Ides dizer que não à vossa Mãe? Certamente a Ela não o podereis fazer. E agora, dizei-me, Jesus, que o meu pecador será salvo”.
Desta
vez alcançou a vitória. O misericordioso Senhor concedeu a graça e a
cena mudou de aspecto. Com um ar de alegria indescritível, Gema
exclamou: “Está salvo, está salvo! Venceste, venceste, Jesus, triunfai
sempre assim”. E saiu do êxtase.
Este
espetáculo, verdadeiramente admirável, tinha durado boa meia hora. Para
o descrever, utilizei as próprias palavras de Gema, recolhidas à pena
na ocasião ou cuidadosamente confiadas à minha memória.
Tinha-me
retirado a meu quarto, entregue a mil pensamentos, quando ouvi bater à
porta. Anunciaram-me que era um indivíduo estranho. Mandei-o entrar.
Lançou-se a meus pés, chorando, e pediu-me que o confessasse. Meu Deus,
qual não foi a minha surpresa! Era o pecador de Gema, convertido poucos
minutos antes. Acusou-se de todas as faltas reveladas no êxtase pela
serva de Deus, esquecendo somente uma, que lhe pude recordar.
Consolei-o, contei-lhe a cena que acabava de se dar e obtive dele
autorização de publicar estas maravilhas do Senhor”.[1]
[1] “Santa Gema Galgani” – Pe Germano de Santo Estanislau – Livraria Apostolado da Imprensa – págs. 164/167.
SALVE MARIA
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